Por que os alagamentos em São Paulo parecem não ter solução?


 

Antonio Eduardo Giansante

Valter Caldana

 

Em época de verão, sobretudo no mês de janeiro, o estado de São Paulo é marcado por uma série de empoçamentos, inundações e fortes temporais. Somente no primeiro mês de 2022, mais de 500 pessoas ficaram desalojadas após os estragos provocados por enchentes e 33 pessoas morreram. A situação é recorrente e vem causando deslizamentos, pontos da cidade ilhados e transbordamento de rios. De acordo com o Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet), as precipitações aumentaram quase 55% neste século. Mas será que esta é principal culpada pelos desastres?

 

Temos que enfatizar que esse não é um problema de momento, ele é fruto da estruturação do desenvolvimento urbano da cidade de São Paulo; a construção da metrópole foi realizada em cima de diversos rios e córregos, além de ocupações de várzeas e encostas vulneráveis. Por essa razão, não é possível conter de forma efetiva os problemas decorrentes de águas pluviais na capital paulista. Tendo isso em mente, devemos aprender a conviver com o problema por meio de sistemas de alerta e contenção das águas pluviais onde se precipitam, evitando ao máximo as conhecidas enxurradas, ou seja, acelerar as águas, afastá-las o máximo possível, o que acaba transferindo o problema de um ponto a outros.
 

O fato é que o Estado teve um crescimento desordenado, muitas residências foram construídas sobre e sob encostas, rios e córregos, bem como ocupando suas margens vulneráveis às cheias, alterando ou acelerando o percurso normal das águas que acabam em fundos de vale, como a calha do rio Tietê. Parte do problema se dá pela construção de casas em locais inapropriados, terrenos frágeis, que deveriam servir como infiltração da água excedente e acabaram impermeabilizados com concreto e asfalto, acelerando as águas pluviais. Ninguém gosta ou escolhe morar em locais de risco, mas essa população mais carente não encontra outra solução de moradia e pouco se faz para prevenir os riscos.
 

A falta de área verde e o despejo de lixos na cidade acentuam ainda mais o problema, pois o ambiente natural propicia a infiltração de água no solo, reduzindo o escoamento mais acelerado pela superfície de um solo em geral impermeabilizado. Já o acúmulo de lixo e entulhos lançados nas ruas entope as bocas de lobo, obstrui o escoamento em córregos, atrapalhando o escoamento da água, principalmente se pensarmos que estes sistemas de drenagem urbana não foram planejados para suportar lixo combinado com chuvas cada vez mais intensas.
 

A construção de piscinões em áreas de grandes alagamentos, visto como uma possível solução, não deveria mais ser o único foco da gestão da Prefeitura de São Paulo, pois não é só por meio dessas grandes obras que vamos conseguir melhorar a qualidade de vida da população. O paradigma até hoje foi sempre de canalizar, fazer piscinão e 'acelerar' as águas, no entanto, algumas alternativas devem ser priorizadas, tais como: construção de jardins de chuva, bacias de retenção e infiltração da água no solo e a recuperação da vegetação para infiltrar e reter as águas pluviais, recarregando os aquíferos, o que possibilitaria algum aproveitamento hídrico na época da estiagem sazonal da capital.
 

Não foi a falta de planejamento e conhecimento que nos levou a atual situação, mas a falta de ação que tivesse uma diretriz mais ampla, e não promover somente a visão de soluções que se limitassem aos fundos de vale, sejam canalizações, sejam piscinões. A ineficácia dos investimentos públicos fica cada vez mais patente e as melhorias acabam ficando aquém do tamanho do problema. Isso tudo é realmente fruto de uma sucessão de decisões anteriores.

A convivência com as chuvas é uma questão cotidiana que precisa ser trabalhada todo dia, todo ano, para que não tenha atenção só na emergência. Temos que nos reeducar no uso do cotidiano da cidade e convívio com suas águas, uma riqueza intangível. As políticas públicas das prefeituras em geral são setoriais, faltando entes que cuidem das águas pluviais, bem como faltam recursos que garantam a prestação desse serviço urbano.

As soluções precisam ser vistas de maneira sistêmica e implantadas cotidianamente por um ente que pode ser interfederativo, que cuide desde o planejamento e projeto, chegando às obras, operação e manutenção de todas as estruturas de manejo das águas pluviais urbanas. Sem uma visão coordenada, com um ente responsável e que tenha recursos monetários de diversas origens, não somente o IPTU, as soluções correm o risco de serem parciais e pouco efetivas.

 

Antonio Eduardo Giansante é especialista em recursos hídricos e saneamento ambiental e professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU) da Universidade Presbiteriana Mackenzie (UPM).

 

Valter Caldana é mestre em planejamento urbano e regional e professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU) da Universidade Presbiteriana Mackenzie (UPM).

 

Sobre a Universidade Presbiteriana Mackenzie

A Universidade Presbiteriana Mackenzie está na 71º posição entre as melhores instituições de ensino da América Latina, segundo a pesquisa Times High Education 2021, uma organização internacional de pesquisa educacional, que avalia o desempenho de instituições de ensino médio, superior e pós-graduação. Possui três campi no estado de São Paulo, em Higienópolis, Alphaville e Campinas. Os cursos oferecidos pelo Mackenzie contemplam Graduação, Pós-Graduação Mestrado e Doutorado, Pós-Graduação Especialização, Extensão, EaD, Cursos In Company e Centro de Línguas Estrangeiras.




Postar um comentário

0 Comentários