O MOTE



 

​Tem gente que corre alucinado atrás de um grande amor. Muitos se precipitam insaciáveis no encalço do dinheiro. Alguns buscam desesperados a cura para uma doença. E outros precisam rapidamente de um mote.

​Adriano pertencia a essa última classe. É que só tomara conhecimento de que o I Concurso Literário de sua cidade estava em andamento quando faltava apenas um dia para o término das inscrições.

Esse fato seria suficiente para que os impiedosos o criticassem. Afinal, se alguém se predispõe a participar de um concurso literário, como justificar o desleixo para com os seus prazos?

É que Adriano teve a infelicidade de presenciar a sua musa beijando um colega de classe. E como estivesse no auge do seu romantismo adolescente, tal desgraça foi suficiente para que se encasulasse, o que justificaria aquela alienação.

A vida, contudo, segue adiante apesar de derramado o leite. Sendo assim, desde o alvorecer do domingo, Adriano permanecia fechado em seu quarto, sentado à escrivaninha, e à espera de um tema que surgisse.

Mas ele não surgia.

Apesar disso, ele contava que tudo estaria resolvido até no máximo meia-noite.

Seus pais compreenderam a situação. Por isso, só o chamariam para as refeições, momento de convívio que não admitia negociação.

E tão logo ouviu sua mãe chamá-lo para o almoço, Adriano correu para a mesa e começou a se servir.

Mas não teve tempo sequer de derramar o arroz sobre o prato, pois seu pai lhe deu uma tremenda bronca por não ter lavado as mãos antes de sentar-se.

Terminada a refeição, e o estudante voltou para o seu quarto. E de lá ouviu outra bronca, dessa vez por ter esquecido de escovar os dentes.

Enfrentado esse contratempo, e Adriano retomou a sua clausura, sentou-se na mesma cadeira, e fixou-se no seu único problema, a falta de inspiração.

​Os minutos passavam e o rapaz fitava a tela do computador. Mas o mote não vinha. Procurava-o varrendo o quarto com os olhos. Mas nenhuma ideia despontava salvadora. E terminava olhando pela janela. Mas a rua deserta, a tepidez da tarde e o esquecimento do vento em nada contribuíam para o início do texto.

​E ele começava a ficar preocupado.

Havia na sala de jantar um velho carrilhão pedestal que a mãe de Adriano recebera de herança. Ela só deixava de dar corda por motivos invencíveis, tais como ausência por viagem ou confinamento por doença. Fora isso, o pêndulo seguia o seu monótono vaivém.

Pois mesmo de porta fechada, Adriano começava a perceber aquele tique-taque. E ele crescia, crescia...

O jovem, então, tapava os ouvidos com as mãos, assobiava, tamborilava. Mas aquela oscilação infernal penetrava por entre os dedos, ecoava feito trompa de caça, troava mais forte que um timbale!

Mas se Adriano incomodava-se com essa cadência, mais irritado ficava ao ouvir a manjada musiqueta repetindo-se a cada quinze minutos, e mais alucinado sentia-se com as badaladas das horas reboando no cérebro!

Pois ele não teve dúvida: saiu do quarto, foi até o carrilhão, e parou o pêndulo. Menos mal que seus pais, que estavam na sala sentados no sofá, acabaram concordando com o desespero da atitude; se bem que só depois que o viram suplicar de joelhos.

Garantido o necessário silêncio, e ele retornou à estaca zero.

De vez em quando, Adriano percebia um carro passando com o som ligado no máximo; de quando em vez, um passarinho pousava na árvore defronte à sua casa.

Seriam motes a serem explorados?

E ele se voltava para a tela, pousava as mãos no teclado, e imaginava que o carro bateria no muro, frearia para uma bola perdida ou atropelaria uma galinha desavisada.

Mas nada evoluía.

Sendo assim, desprezou o automóvel e fantasiou que o passarinho nidificaria, seria abocanhado por um gato ou apanharia um inseto em pleno voo.

Mas a avezinha não correspondeu.

De repente, quando Adriano começava a vislumbrar alguma coisa lá no fundo do seu ser... A campainha soou estridente!

E o vislumbre simplesmente evaporou.

É verdade que os seus comentários distanciaram-se, e muito, dos caridosos conselhos dispensados nos confessionários. Daí que, ou continuava praguejando, ou reequilibrava-se e seguia procurando.

Pois tratou de cerrar os olhos; passou a controlar a respiração; e esperou...

Súbito, a porta do quarto se abriu! Eram os seus dois priminhos gêmeos que vinham visitá-lo, e que adoravam pular em cima do tio mais descolado da família.

Adriano, que não teve tempo sequer de clamar por ajuda, foi derrubado da cadeira e feito de alicerce por alguns minutos.

Soergueu-se, enfim, mas não conseguiu convencer os serelepes a saírem do quarto.

Foi salvo por sua mãe, que, aparecendo à porta com um prato repleto de biscoitos de chocolate, atraiu os comilões para a cozinha sem precisar dizer palavra.

Adriano correu a fechar a porta. Depois sentou-se na cama, e, unindo as mãos em respeitosa súplica, rezou pela primeira vez na vida. – O destinatário foi São Judas Tadeu, que sua mãe sempre dizia ser o santo dos desesperados e dos aflitos.

Terminada a reza, e as lamentações, o recém-devoto prometeu que se conseguisse um mote a tempo de escrever um conto, só jogaria on line duas vezes por semana, e por no máximo duas horas.

É claro que essa promessa só produziria efeitos depois que seus tios partissem. Até lá, não teve como fugir aos seus admiradores mirins.

Os parentes foram embora, e nada do tema se revelar.

Adriano jantou, escovou os dentes, mas nenhuma ideia despontou no horizonte.

Pensou que a inspiração só viria depois de um banho relaxante. No entanto, o máximo que conseguiu foi apressar o sono.

O estudante foi dormir com uma dúvida e uma certeza. Esta, que não participaria daquele concurso literário; aquela, que o que prometera talvez não tivesse sido lá muito atraente.

No dia seguinte, Adriano foi para a escola a passo lento, meditando no que perdeu e no que ficava como aprendizado.

Mas se entrava na classe calado, seu semblante logo se iluminaria. Não que outro concurso se avizinhava. É que sua musa voltava a ficar solteira.

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