1o. LUGAR COM A CRÔNICA “QUANTA RESPONSABILIDADE!”


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​No dia a dia é comum confrontarem-se opiniões absolutamente antagônicas sobre um mesmo assunto. Aliás, nas lides forenses isso é corriqueiro.

​Como consequência, é natural que um dos lados prevaleça, seja porque é o mais forte, seja porque está protegido pelo direito.

​Sendo assim, jurava que nenhuma outra hipótese seria suficiente para me deixar impressionado ou descontente.

​No entanto, ontem à noite, quando assistia à televisão, acabei mordendo a língua...

Era um documentário sobre o posicionamento de vários escritores, atuais e do passado, acerca da esperança.

​Dois deles me chamaram a atenção, visto que bem poderiam ser escolhidos os representantes daquele antagonismo.

Por mais paradoxal que seja, apesar do seu Amor de perdição e de ter sucumbido às tentações do suicídio, o extremo positivo era encabeçado por Camilo Castelo Branco, que proclamou “Bendita seja a esperança, filha dos céus, eterno cântico dos anjos.”

No polo negativo, e a despeito de ser muito conhecido o urubu agourento de Augusto dos Anjos, foi José Maria Goulart de Andrade quem mais me impressionou ao dizer “Esperança, és um mal que prolonga a agrura dos vencidos da vida”.

Mas se é verdade que não me sentia impressionado quando o documentário acabou, e desliguei a televisão, não menos exata é a afirmação de que estava bastante descontente.

O motivo? O lado para o qual pendeu a maioria daqueles escritores.

Ora, se nem Dante, quando percorria o purgatório, ouviu do seu guia-poeta, Virgílio, no Canto VI, de A divina comédia, que seria vã a esperança das almas que ali perambulavam pedindo preces, por que nos tempos de maior luz, em que até o limbo foi revogado, como quis o papa Bento XVI, aquela que “... nunca abandonou o infeliz que a procura” (Beaumont e Fletcher) seria a opção menos prestigiada por aqueles literatos?

Como já era muito tarde, deixei meu descontentamento de lado, tratei de tomar um banho quente, e me enfiei debaixo das cobertas. Quem sabe se no mundo de Morfeu eu encontraria uma justificativa que me satisfizesse?

Pois no dia seguinte, quando fazia a toalete, uma lembrança vinha diminuir a velocidade com que escovava os dentes...

Não sei se concordará comigo, amigo leitor, mas aquele desprestígio poderia ser respondido com a ajuda da conhecida fórmula por que um copo com água pela metade pode ser observado.

Nesse sentido, ou nos martirizamos porque só nos resta metade do precioso líquido, ou nos felicitamos porque ainda temos meio copo de água para beber.

Assim, quando a vida nos impõe um período de extrema dificuldade – e não há quem disso se safe –, ou o olhamos através das janelas embaçadas do pessimismo, o que, por certo, afastará qualquer laivo de esperança, ou o enxergamos por meio das lentes cristalinas do otimismo, que encontrará na filha querida da fé a sustentação necessária para enfrentá-lo e superá-lo, permitindo que saiamos dessa experiência mais fortalecidos (resiliência).

​Daí eu pergunto: Qual deveria ser o papel do escritor contemporâneo nestes tempos cinzentos da COVID – 19?

Será que aquele que detém o poder de influenciar milhões de pessoas com o seu dom teria o direito de abalar, fraquejar ou até mesmo destruir a esperança daqueles que a ela se agarram, e por ela são beneficiados, só porque se identifica com o romantismo sombrio de Poe, adora voar no pessimismo schopenhaueriano, ou foi acometido da doença da Hiena Hardy? – Oh vida, oh azar...

​Fico, então, imaginando se esse autor teria a coragem de manter o seu juízo sobre a esperança, caso tivesse que aconselhar um amigo que ligasse buscando reconforto, porque sua esposa, que pela manhã já vinha sentindo dificuldades para respirar, teve que ser entubada às pressas no final do dia por causa do novo vírus?

​Mas como existe louco para tudo, não ficaria chocado se ele, além de manter o seu ponto de vista, ainda achasse oportuno citar Bacon como arremate. – “A esperança é um bom almoço, mas uma péssima ceia.”

Ora! É justamente nestes tempos de pandemia que o escritor tem o dever moral de soerguer, de sustentar, de fortalecer e de estimular os seus leitores a seguirem adiante, esperançosos!

E note, leitor amigo, que ao defender essa postura, não estou rendendo graças a nenhuma síndrome de Poliana.

Apenas que o momento atual pede à literatura que defenda, que estimule e que difunda aquela que, no dizer de Grácia da Cunha Matos, “... é necessária ao coração como o sol à existência das flores.”

Por isso, que tal se enaltecermos, e com um belo sorriso no rosto, que no dia em que escrevo esta crônica, mais de trinta e dois milhões de infectados no mundo já conseguiram recuperar-se daquela virose e estão a salvo em seus lares? que tal se frisarmos que, ao contrário do que acontecia há bem pouco tempo, quando eram necessários cerca de quatro anos para que criassem uma vacina, hoje, em menos de um ano! mais de um laboratório já alcançou a última fase de testes à nova cura? que tal se enfatizarmos que, graças à possibilidade de flexibilização das medidas restritivas de direitos, muitas das atividades econômicas já estão funcionando, e, por força disso, estamos retornando para os nossos empregos?

Ou talvez fosse mais útil aos nossos espíritos que nos prendêssemos ao outro lado da moeda, àquele que faz da desesperança o seu triunfo, a sua meta, o seu ganha-pão?

Sinto muito, mas não posso crer seja esse o melhor dos caminhos.

Mas se ainda houver quem vacile, ouso apresentar esta última questão: Como gostaríamos que nossos filhos atravessassem este momento, descrentes ou esperançosos?

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