A Invasão das Formigas


A INVASÃO DAS FORMIGAS

Em 1977 foi lançado o filme Ants, que no Brasil foi traduzido como O ataque das formigas, com direção de Robert Scheerer
Não que aprecie filmes dessa natureza, em que milhares de formigas assassinas são acidentalmente libertadas, quando da construção de um grandioso hotel, e saem famintas à procura de carne humana. Aliás, só em transcrever essa “sinopse”, já me dá coceiras e calafrios.
O que me interessa nesta crônicano entantoé falar sobre a possibilidade de uma invasão de milhares, senão de milhões de formigas. Em outras palavras, seria possível, no mundo real, que um determinado lugar fosse literalmente tomado por umnúmero incalculável de formigas, ao ponto de as pessoas que lá estivessem terem que sair às pressas sob pena de serem por elas atacadas? Ou será que essa hipótese só seria concebível nos cenários hollywoodianos?
Pois vou contar um fato verídico que testemunhei há muito tempo atrás.
A década ainda era a de 1970. Eu tinha nove para dez anos de idade e passava férias na praia de São Lourenço, no município de Bertioga, no Estado de São Paulo. A luxuosa Riviera de hoje não existia sequer em pensamento.
O local era tão virgem – ao derredor só se via mata nativa –, que nossa casa, que não ia muito além de uma edícula, foi a terceira a ser construída naquela praia! Aliás, como fôssemos “Os desbravadores de São Lourenço”, conseguimos junto à prefeitura que o nome da nossa rua fosse batizada Santo André, em homenagem às famílias proprietárias daquelas casas, todos moradores desta cidade. E a placa foi fixada; se bem que sem pompa nem circunstância.
Por óbvio, não havia luz elétrica nem água encanada.
A luz, obtínhamos com a ajuda de lampiões a gás, em que se acoplavam longos tubos metálicos – no interior dos quais fluía o combustível – a pequenos botijõesextremidade oposta desses tubos era protegida por um invólucro removível de vidro, e nela se amarrava uma camisinha (não confundir com o preservativo!), que queimava eproduzia claridade
A água, captamos por conta própria de uma fonte que descobrimos por acaso em uma montanha próxima, e a distribuímos entre as três casas por meio de mangueiras de borracha interligadas.
Depois de alguns anos conseguimos aposentar os lampiões, pois adquirimos um gerador portátil movido a gasolina. Essa máquinase nos supria de eletricidade, também nos impunha um barulho infernal!
Só muitos anos depois é que a rede elétrica e a água encanada chegaram à nossa rua. Salvo engano, esta depois daquela. Seja como for, comemoramos muito a sua chegada.
Pois bem, certo dia, em que todos já tínhamos acordado, percebemos uma carreira de formigas que subia por uma das paredes da nossa casa. 
E como acontece quando temos que esperar no cruzamento um extenso comboio passar, ficamos aguardando que aquele trem em miniatura também passasse.
Acontece que ele parecia não ter fim. E, como se não bastasse, outras carreirascomeçaram a aparecer. De modo que, quando nos demos conta, um verdadeiro mar de insetos marchava em direção ao interior da nossa casa!
Um a um dos cômodos foi sendo tomado.
E em poucos minutos, todo o imóvel já estava sob o domínio de incontáveisformigas.
Segundo apuramos depois, essa invasão nada teve de sobrenatural. Ocorreu porque aquela espécie de formigas mudava de ninho de tempos em tempos.
Mas como uma mudança dessa magnitude exige provisões, elas aproveitavam para caçar ou levar consigo tudo o que estivesse em seu caminho. Daí que suas inumeráveis falanges não apenas saquearam toda a nossa dispensa – salvando-se, tão só,o que estivesse muito bem fechado, como os enlatados –, como, também, expulsaram, sem a menor resistência, todas as vespas de um ninho que ficava pendurado a um galho de arbusto localizado no jardim próximo à porta da entrada. Em seguida, carregaramtodas as larvas que lá estavam. Etabutim fartíssimo!
Mas, para mim, o mais inusitado desse épico da natureza foi outra cena quepresenciei: Uma das colunas cruzava a varanda. E havia um vaso com flores nesse caminho, mas que elas contornavam. De repente, uma das formigas resolveu parar junto a esse vaso. – O resto da tropa seguiu adiante.
Aquela formiga curiosa ergueu a cabeça e o tóraxe, mexendo as antenas, passou a averiguar (presumi) se havia algo na planta que valesse a pena ser carregado.
Só que nesse galho havia uma pequena aranha. Pois, “Acredite se quiser”durante os poucos segundos em que aquela formiga examinou o galho com suas antenas, a aranha desceu de onde estava, presa pela teia que saía do seu abdômen, e,achegou-se dela, tomou de outro fio com as patas dianteiras, e, com uma rapidez incrível, enlaçou a sua vítima e a puxou para si, enrolando-a em mais teia e carregando-a para cima como refeição!
Algumas horas foram necessárias até que toda a colônia passasse por nossa casa. E sou obrigado a confessar que não passou sem que um e outro dedos de pésdesavisados servissem de aperitivo... – Ai! como ardeu aquela picada!
Presenciei, ainda, esse fenômeno em ano posterior. Mas, tal como gato escaldado, não deixei que o descuido me acarretasse outra ferroada.
Dessas experiências por que passei quando criança em Bertioga – e houve outras, com besouros, louva-a-deus, cobras, lagartos, aranhas, etc. –, posso afirmar queHollywood não está de todo errada em seus roteiros. Tirando, é claro, o exagero de quemilhares de formigas atacam os seres humanos para saciar a sua fome, o fato é que elas desalojam, sim, e sem a menor dificuldade, qualquer ser vivo que estiver em seu caminho. 

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