O mico.

O título desta crônica poderá levar o leitor a um pequeno equívoco. Daí a necessidade deste prévio esclarecimento: Não me refiro aos macacos de porte médio, do gênero Cebus, mas, sim, a uma situação para lá de embaraçosa.
Esclarecido, assim, o seu real significado, retomo o assunto.
E para isto, faço esta pergunta: 
Quem já não pagou (um tremendomico?  
Eu paguei, posso garantir. Mas antes de contá-lo, dá para apostar que, se vocêtambém já pagou mico, nossa reação provavelmente foi idêntica.
Ora, fique à vontade para confessar que a única reação possível para alguém que esteja pagando (um tremendo) mico é olhar para o chão à procura de um buraco para que se possa mergulhar dentro dele e sumir o mais rápido possível.
De outra parte, depois de pago o mico, e depois de passado um tempo suficiente para que a vergonha e o eventual trauma tenham desaparecidoo que é que nos sobra? Risos e mais risos, seja quando nos lembramos dele a sós, seja quando o compartilhamos com alguém 
E é por isso que rio duplamente. Você verá
Certo dia, acordei como acordam as pessoas que tiveram um sono refazedor. No meu caso, isso de regra acontece assim que termina a fase REM, a do sono pesado.
Acordei sem me lembrar de absolutamente nada. Revigorado e pronto para mais um dia de oportunidades.
Ora, como estivesse de alto-astral, não só optei por me ajudar a que meu dia prosseguisse tranquilo – sobretudo não incitando nem me entregando às discussões inúteis –, como, também, senti que se conseguisse manter-me nesse nível de equilíbrio, certamente contribuiria para que mais de uma pessoa também dele se beneficiasse. Oque, convenhamos, é mais do que um dever.
Como já programara a ida ao supermercado, peguei do habitual – celular, carteira, chave do carro, etc. –, e fiquei no hall esperando o elevador chegar.
Quando ele chegou (vinha de cima)e a porta se abriu, duas pessoas já estavam em seu interior – uma senhora que aparentava mais de sessenta anos, e um senhor bemmais idoso que ela, a quem daria mais de oitenta anos idade.
E como estivesse de muito bom humor, fui logo cumprimentando a ambos, e de uma maneira bem mais solícita que a habitual.
Mas assim que a porta se fechou, e o elevador começou a descer, não tive como deixar de notar o quanto aquela senhora era parecida com nossa vizinha. A semelhança era tanta, que não haveria quem não supusesse serem irmãs.
Pois não tive dúvida: Como quisesse puxar conversa – pois, repito, estava de muito bom humor –, fui logo perguntado a ela:
- Desculpe-me, mas a senhora só pode ser irmã da Gertrudes? (o nome, por óbvio, é fictício).
Ela e o senhor sorriam. E ela confirmou que sim.
Mas como aquele senhor estava muito próximo a ela, como minha vizinha nunca falara sobre se seu pai ainda vivia, como também tivesse sorrido, e como, insisto, estivesse muito bem comigo mesmo, engatei uma segunda e fui logo perguntando:
- E o senhor deve ser o pai delas?
Foi aí que o mico aconteceu...
Os sorrisos de ambos sumiram. E a senhora respondeu secamente:
- Não. É meu marido.
Acrediteó leitor cujo semblante acabou de se transfigurar em compadecimento, se naquele momento estivesse com um daqueles buracos portáteis produzidos pela lendária companhia ACME, eu não teria nenhum escrúpulo em abri-lo no chão do elevador, e de me precipitar buraco adentro.
Mas como o elevador ainda descia, como, portanto, estivéssemos presosnaquele cubículo, a única coisa que consegui fazer foi pronunciar estas poucas palavras, ainda, sim, com certo humor:
- Pois é, né?... – E, como eles, abaixei a cabeça.
É nessas horas que se percebe o quanto um elevador pode ser demorado!... 
Depois de alguns meses, tive coragem de contar essa história aos meus vizinhos. E caímos na gargalhada.
Reencontrei, ainda, aquela senhora, algumas vezes. Mas sozinha, pois seu marido falecera
Por sorte, ou se apagara de sua mente o acontecido, ou sua polidez falou sempre mais alto, pois todas as vezes nos cumprimentamos como se nada houvera, e até nos tornamos amigos. – Se bem que até hoje não tive coragem de relembrar, com ela, o inesquecível mico por que passei.
Mas, e você, amigo leitor, não se faça de rogado. Já pagou algum mico?Compartilhe conosco e riamos juntos!

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