Chapada dos Veadeiros (GO) se destaca no turismo feminino com foco em segurança


Região abriga mais de 228 guias mulheres; muitas atuam em iniciativas voltadas exclusivamente ao público feminino

Guia turística na região da Chapada dos Veadeiros


O número de mulheres que optam por viajar sozinhas tem crescido de forma consistente nos últimos anos, impulsionado pela busca por autonomia e experiências transformadoras. No entanto, essa tendência é acompanhada por uma preocupação crescente com a segurança, sobretudo diante de casos de violência contra mulheres em viagem.


O Women’s Danger Index, levantamento internacional sobre segurança feminina em viagens, posiciona o Brasil como o segundo país mais perigoso do mundo para mulheres que viajam sozinhas, atrás apenas da África do Sul. A classificação leva em conta fatores como a taxa de feminicídios, violência sexual e baixa percepção de segurança nas ruas. Episódios como o da artista venezuelana Julieta Hernández, encontrada morta em 2024 após ser estuprada durante uma viagem pela Amazônia, ilustram a gravidade do cenário.


Diante desse contexto, iniciativas voltadas ao turismo feminino especializado têm se expandido no país. Agências, pousadas e operadoras passaram a oferecer serviços com foco exclusivo no público feminino, muitas vezes com equipes compostas inteiramente por mulheres.


Do garimpo ao ecoturismo

Na Chapada dos Veadeiros (GO), um dos destinos mais procurados por viajantes em busca de natureza, o protagonismo feminino no setor turístico é resultado direto de uma transformação social e econômica. Com o fim do garimpo, atividade que durante décadas sustentou boa parte da população local, muitas mulheres encontraram no ecoturismo uma nova forma de sobrevivência.


O ponto de virada veio com o primeiro curso de condutores ambientais da região, promovido por organizações como o WWF e o Ibama. “O curso foi fundamental para transformar a realidade de muitas mulheres que viviam em situação de vulnerabilidade”, afirma Andrea Manzan, da Trilheiras na Estrada Ecotur. Segundo as associações de guias da região, a Chapada dos Veadeiros conta hoje com mais de 228 mulheres credenciadas como guias turísticas. Muitas atuam em roteiros voltados exclusivamente a mulheres que viajam sozinhas ou em grupos femininos.

Grupo de turistas acompanhada com guia turística na Chapada dos Veadeiros (GO)


“Sabemos que a insegurança existe, mas também existe uma comunidade de guias acolhedoras, experientes e prontas para oferecer uma vivência segura e transformadora”, diz Caliandra Dias, também da Trilheiras na Estrada.


Segurança e sensibilidade




A presença feminina entre as condutoras não apenas ganhou espaço, mas passou a atrair um público interessado em experiências que combinam segurança e sensibilidade. Para muitas viajantes, o fator decisivo na hora de escolher uma guia mulher é a sensação de proteção. “Estar com outra mulher em uma trilha remota reduz a chance de assédio e transmite confiança”, avalia Lusimar Marian, que atua com roteiros de imersão. “A mulher guia também costuma ter um olhar mais atento às necessidades do grupo.”

Além da segurança, o cuidado no atendimento é um diferencial valorizado. “Existe uma delicadeza no olhar feminino para o ritmo da trilha, para o bem-estar coletivo, para os momentos de silêncio. Não é só conduzir: é criar um espaço de conexão”, diz Milene Marques Ricardo, da Maytreia Eco.


Pioneirismo e resistência

A ocupação feminina na profissão de guia foi marcada por resistência. As primeiras mulheres que buscaram capacitação enfrentaram um setor ainda dominado por homens e um público reticente quanto à sua atuação.

“Elas se ‘atreveram’ a enfrentar preconceitos, quebraram barreiras e inspiraram outras a fazer o mesmo”, conta Rosa Almeida. “Hoje, muitas das nossas experiências incluem práticas de autocuidado, reconexão com a natureza e uma sensibilidade que transforma o passeio em vivência.”

Turista no Vale da Lua, na Chapada dos Veadeiros (GO)


“Uma mulher pode inspirar muito a outra, e também ser respeitada por outros homens. Atendo muitos casais, famílias e amigos, além de grupos só de mulheres, e o respeito entre os gêneros vem evoluindo, apesar dos desafios. Quando cheguei, havia poucos exemplos de mulheres guias, exploradoras, hoje representamos bem. Somos persistentes, detalhistas, sensíveis, e sempre com vontade de aprender, com superações à vista. Mulheres são cuidadosas e respeitosas no atendimento. Somos livres para seguir nossos sonhos e fortes também. Poder partilhar esse caminho com outras mulheres, sejam colegas ou visitantes, é sempre uma dádiva”, afirma Leda Malysz, da operadora Fronteiras da Chapada.


Com redes de apoio, formação técnica e empatia, as guias mulheres da Chapada vêm mudando não apenas a paisagem do turismo local, mas também o modo como as mulheres se relacionam com o ato de viajar sozinhas.

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