COM TECNOLOGIA HÍBRIDA, TELEMETRIA MAIS PRECISA E CRESCENTE RELEVÂNCIA CULTURAL, O LEGADO DO GRANDE PRÊMIO ESTÁ EVOLUINDO. A COLECIONADORA DE CARROS E ANALISTA DE AUTOMOBILISMO LÍVIA GUEISSAZ EXPLICA POR QUE ESSE CIRCUITO AINDA IMPÕE RESPEITO.
Poucas corridas carregam o misticismo e a reverência técnica do Grande Prêmio de Mônaco, que chega à sua 82ª edição em maio. Desde 1929, o Circuit de Monaco se destaca — não apenas pelo glamour, mas por suas exigências implacáveis em relação à preparação dos carros, concentração dos pilotos e estratégia das equipes. Com uma velocidade média de apenas 150 km/h, é a corrida mais lenta do calendário da Fórmula 1, mas também uma das mais tecnicamente complexas. Seu traçado de 3.337 km, com 19 curvas, 42 metros de variação de altitude e o infame túnel, exige dos carros e pilotos um estado quase constante de correção e recalibração.
Em meio ao retorno dessa corrida icônica, Lívia Gueissaz,, analista de moda brasileira e renomada colecionadora de carros de alto desempenho, surge como uma voz no comentário automobilístico — trazendo compreensão técnica, leitura cultural e um envolvimento pessoal com o mundo das corridas. Sua coleção privada inclui Ferraris, seis Porsches, Dodge Vipers e Aston Martins — entre eles, uma Ferrari Testarossa Monospecchio, famosa por seu único retrovisor lateral e motor flat-12 revolucionário.
“Mônaco recompensa o timing, não a agressividade. É sobre controle sob pressão,” diz Gueissaz. “Costumamos celebrar a potência, mas aqui o sucesso depende de equilíbrio, estratégia de marchas e da psicologia da precisão.” Seu comentário foca não na estética de lifestyle, mas na relação íntima entre máquina e terreno — algo que apenas circuitos como Mônaco exigem de forma tão implacável.
Mônaco oferece quase nenhuma margem para erro, ao contrário dos circuitos modernos com faixas largas, projetados para ultrapassagens. As barreiras cercam a pista, tornando a precisão tão crítica quanto a velocidade. A curva Loews, por exemplo, é feita a 48 km/h — a curva mais lenta da F1 — exigindo ângulos extremos de direção e geometria de suspensão especializada. Para enfrentar esses desafios, as equipes trazem configurações aerodinâmicas sob medida: setups de alta pressão aerodinâmica, distâncias entre-eixos curtas para agilidade nas curvas e relações de marcha otimizadas para aceleração em vez de velocidade máxima. Temperatura dos freios, desgaste dos pneus e sistemas de recuperação de energia devem ser gerenciados com precisão. Mônaco continua sendo uma exceção rara onde a delicadeza supera a força bruta em um esporte obcecado por tempos de volta.
“Para entender uma máquina de verdade, você precisa senti-la,” diz Gueissaz. “Automobilismo não é apenas sobre velocidade — é sobre engenharia, precisão e as histórias silenciosas contadas em cada curva e ajuste. O Grande Prêmio de Mônaco é mais do que uma corrida; é um estudo de elegância e disciplina. Pode ser o mais lento em velocidade, mas tecnicamente é um dos mais exigentes. É isso que me atrai. Me lembra que potência sem controle não significa nada — e beleza, sem propósito, não perdura.”
Historicamente, Mônaco tem servido como campo de testes para os grandes nomes da Fórmula 1. Ayrton Senna, conhecido por seu controle cirúrgico, venceu a corrida seis vezes. Graham Hill, apelidado de “Mr. Monaco”, venceu cinco vezes nos anos 60. Em 2024, Charles Leclerc se tornou o primeiro monegasco a vencer desde Louis Chiron em 1931 — reacendendo o orgulho nacional em um circuito frequentemente descrito como “um local excepcional de glamour e prestígio.”
Mas além da pompa, Mônaco também está se tornando um espaço de inovação estratégica e revolução silenciosa. À medida que a F1 entra em uma nova fase — equilibrando a evolução híbrida, pressões de sustentabilidade e análises assistidas por IA — o Grande Prêmio de Mônaco continua sendo um teste decisivo de legado e adaptabilidade. Os sistemas de recuperação de energia precisam ter desempenho eficiente em velocidades mais baixas, as estratégias de pneus mudam com microajustes e a telemetria digital desempenha um papel cada vez maior nas decisões em tempo real.
“O automobilismo muitas vezes é visto como preso à tradição, mas também é onde a mudança nasce,” explica Gueissaz. “Mônaco pode parecer atemporal, mas o que acontece naqueles boxes — da calibração do câmbio à modelagem de dados — representa a vanguarda da inteligência em corrida.”
Gueissaz não está sozinha ao redefinir o que é ser especialista em automobilismo. Sua presença também reflete uma mudança cultural mais ampla. Com a audiência da Fórmula 1 crescendo mais de 35% desde 2019, impulsionada em parte pela série Drive to Survive, da Netflix, a base de fãs do esporte é mais jovem, global e cada vez mais feminina. No entanto, as mulheres ainda estão sub-representadas em cargos de liderança nas equipes, engenharia e na cobertura midiática.
“Como mulheres, muitas vezes fomos colocadas no papel de fãs — não de participantes,” diz Gueissaz. “Mas entender esse esporte exige mais do que estar perto do paddock. Exige curiosidade sobre torque, telemetria, traçado e sistemas de pressão. Esse espaço também nos pertence.”
Para ela, o Grande Prêmio de Mônaco não é apenas uma corrida. É um ritual de refinamento, onde tudo — das relações de marcha às narrativas midiáticas — é colocado à prova. “Nunca fui atraída pelo espetáculo,” ela diz. “Fui atraída pela geometria.”
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