Nos arredores da Avenida Paulista, o espaço leva a bandeira do café especial e da transformação da vida de mulheres em situação de vulnerabilidade
Sim, o café é um pilar cultural no Brasil. Ainda assim, o maior produtor do grão no mundo engatinha no consumo de cafés especiais. O projeto Amor Espresso nasce para lançar luz não apenas sobre esse universo, como à sua cadeia produtiva, ainda pouco conhecida e valorizada.
“Ao mostrar ao consumidor tudo o que é necessário para entregar aquela xícara de café especial, você aumenta a conscientização e muda a maneira como ele a entende e experimenta”, acredita Fernanda Samaia que inaugura sua primeira cafeteria, a Amor Espresso, na Alameda Santos, próxima à Rua Pamplona, no Jardim Paulista.
Além de servir bebidas de excelência, a coffee shop tem como missão fechar um ciclo de impacto positivo na vida de mulheres em situação de vulnerabilidade social. Sem blá blá blá, uma realidade em desenvolvimento desde o finzinho de 2019, e tornou-se real agora.
Pequeno, mas com uma arquitetura impecável, o café atende tanto quem quer só um pretinho coado para continuar o dia, como para quem quer dar uma pausa e aproveitar o café especial que a casa oferece. Café esse que vem da fazenda de mesmo nome, sendo também da família, e que tem a incrível marca de 87 pontos recebidos logo na primeira colheita. Ali, dois caixas (um externo, para take aways, e um interno para o consumo in loco) disponibilizam 15 bebidas, incluindo coados em filtros da célebre marca japonesa Hario, expressos, gelados e invencionices em homenagem a baristas já formadas.
A bebida com o nome da aluna da ONG, Fabi, por exemplo, alia matcha e café porque a homenageada é cheia de energia. A doçura da Helena é servida em um latte abaunilhado e cor-de-rosa. A Dari, uma refugiada venezuelana, por sua vez, nomeia o café com macadâmia, representando a força da natureza. Vale dizer que qualquer uma delas tem opcional de leite vegetal e de bobba (pérolas negras e ligeiramente adocicadas de tapioca).
Igualmente, todas elas acompanham frases divertidas como “Não passe raiva, passe café!” ou “A mulher cafeinada muda o mundo” e, sim, podem acompanhar as comidinhas do menu, sempre feitas com insumos rastreáveis, como os próprios cafés. Entre as alternativas, destacam-se tâmaras recheadas com creme de amendoim ou com chocolate vegano; bolinho de banana e brownie, também veganos; pães de queijo tradicionais e integrais; coxinhas de jaca e quiches sem lactose.
O local também conta com uma parte superior, com um longo sofá e pequenas mesas -- com música mais baixa -- para quem quer transformar passar um tempo ali trabalhando. “Aqui é um lugar para que a pessoa tenha acesso ao nosso café, conheça o nosso trabalho de capacitação e saiba que está ajudando a transformar vidas”, define a fundadora.
Sobre a fundadora
No final da adolescência, Fernanda Samaia, 30 anos, mudou-se sozinha de São Paulo para Los Angeles para terminar o ensino médio. Acabou emendando a graduação e o mestrado em psicologia na Universidade da Califórnia em Los Angeles (UCLA) e na Pepperdine University respectivamente.
Entre uma coisa e outra, trabalhou no Valley Economic Development Center (maior corporação de desenvolvimento de negócios sem fins lucrativos do mundo), onde ajudava mulheres em situação de vulnerabilidade social a analisar projetos de negócios: “Conversando com mulheres que passaram por diversos traumas e abusos mudei como pessoa e percebi a importância do braço financeiro na constituição da autonomia da mulher”.
A constatação da teoria veio com uma viagem a pequenas comunidades do sertão baiano: os traumas eram muito semelhantes, mas aqui não havia estrutura para ajudá-las. Surgia o desejo de criar algo para dar capacitação técnica e autonomia financeira e emocional para mulheres no Brasil.
Em 2019, Fernanda voltou em definitivo para cá, frequentou abrigos, centros de defesa e convivência da mulher e, enfim, decidiu aliar seu histórico familiar com os próprios desejos. Voltou-se às lembranças da bisavó cuidando dos terrenos de café em Brotas, convenceu o pai a investir na lavoura e inscreveu-se em cursos sobre café especiais. “Até então, minha conexão com café era a lembrança da minha bisavó nas plantações no interior, mas é um mundo apaixonante, com essa profissão em ascensão que prescinde de formação acadêmica e gera perspectivas de crescimento na carreira”. Foi então que montou um programa de capacitação profissional e acompanhamento emocional: o Selo Amor Espresso. A ONG já formou e empregou seis turmas de baristas e agora se desdobra na própria cafeteria.
Ao lado de Fernanda, está seu irmão -- Rodrigo Samaia -- que trouxe todo seu expertise no mercado financeiro para o negócio. “Sempre acompanhei a história da Fernanda e vi essa oportunidade de unir a expertise do nosso pai em produção de produto no agronegócio, com tudo que Fernanda construiu para conectar todos esses mundos. Ajudei no processo da criação do negócio e desenvolvemos formas para que a Amor Espresso se tornasse um ciclo positivo, completo e economicamente sustentável”, complementa.
O negócio
Foi dessa vontade de crescimento dos negócios que pensaram em um programa de impacto socioambiental economicamente viável. Socialmente falando, são as mulheres inseridas no mercado de trabalho, com metas e autoestima renovadas. Ambientalmente, a implantação de uma agrofloresta por meio do plantio consorciado com macadâmia, alimentação orgânica das plantas e gerenciamento responsável de água.
“Só vamos começar a colher as macadâmias em três anos, mas sabemos que elas conseguem influenciar nas notas sensoriais do café, causar sombreamento saudável com o tempo e diminuir a temperatura da plantação, além de enriquecer o solo. Ou seja, tem impacto ambiental e ainda pode ter retorno financeiro”, explica Fernanda.
O sistema sustentável de 200 hectares de plantio em Brotas (SP) é aplicado em cinco variedades de arábica: Paraíso, Arara, Catucaí Amarelo 2SL, IPR 100 e IAC. Toda a colheita é seletiva, a secagem em terreiro suspenso leva quase um mês e, nos terreiros de chão, mais uma semana, em formato de vulcão, para receberem sol aos poucos e concentrem maior dulçor. Uma parte dela ainda é fermentada, amplificando sua complexidade.
Sobre a formação Amor Espresso
Ao longo de oito semanas, um grupo de mulheres passa por treinamento intensivo para tornarem-se baristas. O programa conta com apoio psicológico e capacitação emocional para o mundo do trabalho.
Em outras palavras, práticas de controle de raiva, comunicação não violenta, autoconhecimento, automotivação, assim como montagem de currículo, administração básica de finanças e dinâmicas para entrevistas de emprego.
Ao final do processo, todas as alunas são encaminhadas para entrevistas de emprego e, uma vez contratadas, recebem mentoria individual por três meses.
O projeto iniciou-se dentro de uma comunidade do bairro Parque Novo Mundo, na zona norte paulistana, e agora será transferido para um ambiente real de trabalho: a primeira cafeteria Amor Espresso, na região da Avenida Paulista.
Serviço:
Alameda Santos, 1298 -- Jardins. @amor_espresso. Segunda a sábado, das 8h às 17h30.
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