O PIOR CEGO É O QUE NÃO QUER VER


Notícia recente informa que o Ministério da Saúde publicou uma portaria para encerrar a emergência imposta pelo surgimento do COVID-19, passando a vigorar já em Maio. A estimativa é que caiam mais de 2000 normas editadas pelos estados e municípios, como, por exemplo, o uso de máscaras, do teletrabalho e a exigência do passaporte vacinal para a entrada em alguns locais, tirando parte da autonomia local cedida aos prefeitos e governadores durante a pandemia.

O fato é que estamos entrando no quinto mês do ano e jamais poderiamos imaginar que viveriamos nesta situação por 26 meses, em que o mundo virou de cabeça para baixo, sem garantias sobre o que seria o futuro. 

Ganhei de presente de um querido e dileto amigo o livro "10 histórias para tentar entender um mundo caótico".editado pela Sextante e escrito em formato de diálogo entre dois experientes e viajados jornalistas, Jamil Chade e Ruth Manus, onde tratam de felicidade, corrupção, saúde, violência, meio ambiente, desigualdades, amor, racismo e outros temas que assombram um planeta em transformação, tendo como base as inúmeras viagens que fizeram, vivendo experiencias únicas com um olhar crítico mas profissional. São dois brasileiros radicados na Europa, em países distintos, debatendo assuntos que participamos intensamente neste agitado século XXI. Recomendo!

Destacam em suas conversas que o que parecia uma história exótica de uma região da China, ganhou, de forma silenciosa e invisível, o resto do mundo. Descobrimos um mundo vulnerável e dependente, em que a falta de humildade mergulhou países em profundas crises. O vírus colocou uma parte importante da população mundial em isolamento. Descobrimos um outro ângulo das nossa vidas e tivemos medo. Perdemos todas a pequenas grandes seguranças às quais nos acostumamos em cada dia da vida. O escritório, a padaria da esquina. o botequim para encontrar os amigos, a escola das crianças, a casa dos pais. De repente, tudo nos foi subtraído. 

A reclusão de milhões de pessoas transformou Paris, Roma, Londres, Madrid, Lisboa e tantas outras metrópoles. E gerou algo inédito em período de paz: o eco do silêncio. Nos chamou atenção os vizinhos que sairam às suas sacadas para cantar juntos na Itália e na Espanha. Mesmo os nossos vizinhos passamos a conhecê-los um pouco mais. Quem caminhava pelas grandes cidades europeias durante o auge do coronovírus descobriu algo que desconhecia: o barulho de seus passos. No lugar de ruas lotadas, movimento e turistas, vimos parques fechados e até a tradicional benção do Papa em uma praça vazia. O silêncio, porém, não era de paz, mas um silêncio pesado, de inquietação. De incerteza, De perguntas. O profundo sentimento aso sabermos dos amigos que partiram, sem que pudéssemos prestar as últimas homenagens, uma despedida solitária, sem ao menos um adeus. 

Milhões de pessoas perderam seus empregos, empresas fecharam as portas, faliram e a pobreza voltou a toda em locais que achavam estar superada. Um vírus levou a humanidade a ficar confinada e realçou a fragilidade de uma sociedade que acreditava ser invencível. Pequenos temas domésticos se transformaram em enormes desafios. As mesinhas nas calçadas, os bares, cafés e palcos em locais públicos pelo mundo não são apenas hábitos de lazer. É uma parcela do contrato social de democracias vivas. A garantia da segurança pública, da renda, do tempo de lazer, de participação. Ao vermos aquelas mesinhas vazias, recolhidas e empilhadas, ficou a sombra da possibilidade de que nada seja irreversível. Nada mais é tão seguro como parece. 

Talvez não seja a hora de aproveitarmos para ajudar nossos filhos que ficaram sem escolas por meses a desenhar a letra A de agora? E se este isolamento fosse usado como incubadora para uma nova geração de líderes? Ou ainda, usássemos esta pandemia para ampliarmos a democracia e evoluissemos para usufruirmos de um direito universal? Este exílio involuntário não pode ser desperdiçado. Ele é uma oportunidade única para a nossa sociedade, fechada, olhar para si mesma e examinar suas prioridades. Nosso contrato social.

Para que isso aconteça, temos de encarar desafios existenciais de forma aberta, corajosa e sem pre-conceitos. Esses desafios não são novos. De fato, alguns acompanham a  humanidade desde os seus primeiros dias.  A pandemia permitiu que os números apresentados em manchetes diárias pela mídia revelassem a dimensão inédita da crise que vivenciamos e, para muitos, ainda vivemos. 

Temos que aprender a refletir sobre quem somos e para onde queremos ir. Se o nosso mundo já era complexo, agora é complexo e urgente. O que temos hoje, é a chance de construir o mundo que queremos ver. Temos a geração mais preparada e ávida para isso, temos a ciência e suas inovações que nos provam que o novo modelo é possível e temos o reconhecimento, em cada um de nós,de que a era do mundo infinito definitivamente acabou.

     

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